Ascenção e queda de Erdogan, primeiro-ministro turco, em três atos

Como um personagem de tragédia grega, o Primeiro-Ministro Tayyip Erdogan decaiu de alguém que poderia ser como Jefferson para alguém com aspirações a Putin, tudo isso no curto período de um ano.

A história nos diz que quando o Estado de Direito é fraco e não existe transparência e responsabilidade, o sucesso eleitoral alimenta uma sensação de invencibilidade e infalibilidade. A Turquia agora é um estudo de caso que prova a precisão do cliché “o poder corrompe”.

Ato I

Erdogan subiu ao poder após a “década perdida” da Turquia, 1990, período durante o qual uma série de governos de coalizão fracos e disfuncionais comandavam o país. Os militares cometeram muitos abusos contra a descontente população curda, a liberdade de religião foi suprimida e a economia atingiu o fundo do poço.

As eleições de 2002 deram um mandato poderoso a um novo partido, o Partido da Justiça e Desenvolvimento. Apesar de ter raízes no Islã Político, o partido fez campanha com uma plataforma de direitos humanos, democracia e desenvolvimento. Erdogan era seu líder.

Como novo primeiro-ministro, ele teve um começo promissor: Expandiu direitos curdos; eliminou a proibição do uso do véu em universidades; e mandou os militares de volta aos quartéis de vez. A economia também melhorou muito. As novelas turcas capturaram audiências árabes e o “modelo turco” de reforma política ganhou aderentes em toda a região.

Nessa atmosfera inebriante, parecia que Erdogan e seu partido haviam encontrado a formula mágica para uma “democracia muçulmana” destinada a mudar o todo, não somente os turcos, mas todos os muçulmanos.

Ato II

Mas não era para ser. Depois de 12 anos de popularidade crescente e oposição enfraquecida, Erdogan se tornou mais autoritário.

A mudança para o autoritarismo ficou visível no último verão quando o governo reprimiu manifestantes, em sua maioria pacíficos, no Parque Gezi de Istambul. Em consequência a protestos nacionais, a polícia matou uma dúzia de manifestantes desarmados e feriu muitos mais.

Erdogan não apenas defendeu a polícia, mas descaradamente usou retórica islâmica para demonizar os manifestantes e mobilizar sua base. Ele acusou manifestantes de abusarem sexualmente de uma devota mulher muçulmana e profanar uma mesquita. Nenhuma das acusações se provaram verdadeiras, no entanto, Erdogan repetiu essas mentiras para mostrar a si mesmo como defensor do Islã e dos muçulmanos à sua base conservadora.

Ato III

Para a democracia turca, as coisas foram de mal a pior. Agindo sob ordens oficiais de procuradores públicos, em 17 de dezembro, a polícia fez buscas em vários escritórios e casas. Eles prenderam três filhos de ministros e o CEO de um banco estatal por corrupção e lavagem de dinheiro. Os investigados usavam um esquema ouro-por-gás que permitia ao Irã evadir sanções. Nas semanas subsequentes, quatro ministros renunciaram.

O governo de Erdogan abafou a investigação de corrupção, chamando-a de tentativa de golpe, planejado por conspiradores estrangeiros e implementado por simpatizantes do Movimento Gülen – um movimento islâmico moderado inspirado por Fethullah Gülen, clérigo que vive na Pensilvânia há 15 anos.

Para parar as investigações, Erdogan precisa incapacitar a democracia turca. E ele está disposto a fazê-lo. O governo cooptou ou coagiu a mídia e engenhou a transferência dos meios de comunicação para seus aliados. O governo agora pode bloquear o acesso a qualquer website sem ordem judicial. O ministro da justiça recebeu poder controlador sobre o judiciário e a intocável Agência Nacional de Inteligência Turca está para ganhar mais poder.

Enquanto isso, Erdogan voltou sua retórica contra Gülen. Erdogan acusou os simpatizantes de Gülen de formarem um “estado paralelo”, semelhante às acusações do Senador Joseph McCarthy de infiltração comunista. Chamou Gülen de falso profeta (uma séria acusação no Islã) e hashishin (uma seita terrorista do século XII), um golpe baixo até mesmo para Erdogan.

Essa caça às bruxas contra simpatizantes de Gülen removeu 8.000 policiais e mais de 400 procuradores públicos de seus postos, incluindo aqueles que iniciaram as investigações de corrupção.

Doze anos atrás, Erdogan personificava um espírito Jeffersoniano ao prometer liberdade de religião, proteção de direitos, liberdades e descentralização do poder. Apesar de ter começado bem, hoje ele ameaça a democracia turca, assemelhando-se não a uma figura histórica, mas a um déspota faminto por poder.

Em uma palestra em Harvard, em 2003, Erdogan usou uma citação de Benjamin Franklin (que ele, erroneamente, atribuiu a Thomas Jefferson): “Duvide um pouco de sua própria infalibilidade.”

Alguém precisa lembra-lo disso antes que seja tarde demais.

Turan Kayaoglu é professor de Relações Internacionais na Universidade de Washington, Tacoma.

Publicado em The News Tribune [Inglês], 9 de março de 2014.